Guetim de novo freguesia? Para já, nem certeza nem miragem
- André Rocha
- 22 de set. de 2024
- 4 min de leitura
A reorganização de freguesias em Portugal, regida pela Lei 56/2012, representou uma mudança significativa no panorama administrativo e local. Volvidos mais de 10 anos após a criação da União de Freguesias de Anta e Guetim, tem sido aventada a possibilidade de Guetim e Anta voltarem a separar-se.

A Lei 56/2012, promulgada no contexto de medidas de austeridade e reforma administrativa, visou otimizar a estrutura local do país. Essa legislação resultou na agregação de várias freguesias, tendo como principal intento a racionalização dos recursos públicos e a eficiência administrativa. A União de Freguesias de Anta e Guetim é um exemplo deste processo, representando a união de duas comunidades distintas.
A motivação para a reorganização das freguesias foi multifacetada. A necessidade de cortar gastos administrativos, aprimorar a prestação de serviços públicos e reforçar a voz das freguesias nas instâncias superiores foram fatores aventados para justificar uma Reforma com a qual a esmagadora maioria dos guetinenses se mostraram contra. No caso da União de Freguesias de Anta e Guetim, a combinação de uma densidade populacional modesta e proximidade geográfica foi determinante para esta união, não havendo qualquer fundamento histórico que a motivasse. O objetivo foi criar uma entidade administrativa mais robusta, capaz de enfrentar os desafios com maior eficácia, algo que muitos, volvidos 10 anos, continuam a duvidar que tenha sido alcançado.
Esta união, porém, não aconteceu sem desafios e resistências. Os habitantes de Guetim na sua maioria sempre se manifestaram contra esta solução, essencialmente pelas implicações relativas à identidade e a um sentimento de absorção por parte da freguesia maior, Anta, e não uma verdadeira união. Foram realizadas diversas ações para tentar “salvar” Guetim de um destino anunciado como certo. A perda de proximidade administrativa e a necessidade de se adaptar a novas estruturas geraram uma forte apreensão.
Assembleia de Freguesia em unanimidade
Foi a 11 de outubro de 2022, dia de Guetim, que arrancou o processo de desagregação das freguesias. No documento aprovado por unanimidade na Assembleia de Freguesia, podia ler-se que Anta e Guetim assistiram a “uma redução de cerca de 54% do financiamento por parte do município de Espinho em comparação com o somatório do [anterior] financiamento das duas freguesias em separado”, desde 2013 - ano em que entrou em vigor a reforma administrativa. Foram várias as razões apontadas para a reverter se regressar ao modelo anterior em Anta e Guetim. “A junção de dois territórios tão diferentes, com realidades tão distintas, trouxe um claro prejuízo para a gestão autárquica”, advoga o documento, que refere ainda que isso prejudicou os 1.182 guetinenses. “Falamos de povoações historicamente diferentes, que não têm uma rede de transportes que garanta a ligação entre as duas antigas freguesias e, pela grande discrepância de desenvolvimento entre ambas, isso acaba por gerar uma relação de antibiose, em que os serviços já existentes em Anta”, refere-se, considerando ainda que a “lei Relvas” trouxe “um menor desenvolvimento do interior do concelho [Espinho]”, o que contribuiu para reforçar “o centralismo” e consolidou o “descontentamento” geral dos habitantes.
O processo seguiu de Guetim para Espinho, onde foi aprovado, no dia 21 de dezembro, também por unanimidade na Assembleia de Freguesia. Numa sessão que contou com a presença de dezenas de guetinenses no público, o Presidente da Assembleia Municipal à época, José Carvalhinho, deu orientações aos serviços municipais para enviarem, de forma célere, a decisão deste órgão autárquico para o presidente da Assembleia da República.
A reversão como possibilidade
As freguesias agregadas até 2013, por imposição da Troika, tinham até dia 21 de dezembro de 2022, para formalizarem o seu pedido de desagregação. O pedido de desagregação da União de Freguesias de Anta e Guetim deu entrada dentro do prazo estipulado, após ser aprovado quer na Assembleia de Freguesia quer na Assembleia Municipal.
Em declarações ao jornal Público, o deputado socialista Pedro Cegonho afirmou que “após o dia 21 de Dezembro de 2022, [a AR] constituiu um grupo de trabalho para verificar os pedidos recebidos, a montante, das autarquias, pressupondo quer a legitimidade quanto às entidades que remeteram esse expediente, quer as deliberações prévias que têm que ter existido antes dessa data de 21 de Dezembro de 2022, para agora fazer a sua avaliação da conformidade à lei 39/2021. É esse trabalho que está a ser feito”.
Os processos de desagregação já deram entrada na Assembleia da República, estando em fase de análise por parte dos partidos para que se tome uma decisão. Há a expectativa que até finais de 2023 ou inícios de 2024 haja uma decisão formal da Assembleia da República.
Nuno Almeida, Presidente da Junta de Freguesia de Anta e Guetim, por diversas vezes demonstrou a sua posição favorável à desagregação, afirmando inclusive que a Reforma Administrativa de 2013 foi um erro que causou enormes prejuízos e constrangimentos à comunidade.
Os guetinenses demonstraram, também eles, o seu descontentamento com várias ações de luta contra a designada “Lei Relvas” sem que, contudo, tenham sido produzidos efeitos práticos. Agora parece existir uma possibilidade da reversão poder tornar-se realidade, contudo, nada está decidido nem para Guetim nem para as 185 freguesias que fizeram chegar à Assembleia da República pedidos de desagregação.
10 anos se passaram desde a Reforma Administrativa que ficará para sempre marcada na memória da nossa comunidade. A vontade da maioria da população mantém-se: quase todos querem ver Anta e Guetim desagregados.
Comments