Emanuel Oliveira: “Guetim tem muita qualidade e é pena as pessoas deixarem-se instalar e não fazerem mais”
- André Vieira Almeida
- 19 de mar.
- 7 min de leitura
Mais uma quadra natalícia passou e o ator guetinense esteve no elenco do musical de Natal de maior sucesso na região Norte. De Guetim até aos grandes palcos dos musicais portugueses, Emanuel Oliveira tem-se destacado em diversas vertentes: do teatro à música, passando também pela dobragem. Apesar de ter voado longe, não tem esquecido a terra onde estão as suas raízes e tem estado ligado a várias atividades guetinenses. O NG procurou o ator e esteve à conversa sobre a sua carreira, o estado da arte e a cultura na freguesia.

Após vários meses em cena, terminou agora o ‘Quebra-Nozes e o Reino do Gelo’, o musical no Mar Shopping que tem feito muito sucesso entre miúdos e graúdos. Qual é o grande atrativo do espetáculo?
A grande atração do musical é sempre a patinagem, que difere logo de qualquer tipo de espetáculo estático, com cortina. Independentemente da história, isso vai cativar o público, assim como o gelo, que associamos logo ao Natal. O facto de ser numa tenda, toda ela caracterizada de forma que a experiência comece mal se entre, de certa forma já é uma atração. Há também uma aposta no visual, com cenários gigantes. Só quem está em palco percebe o quão grande é. Podia-se viver dentro da casa que construíram. A história vai buscar um bocadinho daquilo que conhecemos do Quebra-Nozes, mas é completamente original, assim como as músicas.
"A temporada tem cerca de 130 espetáculos, eu fiz uns 80, e são todos diferentes" - Emanuel Oliveira
‘Feiticeiro de Oz no Gelo’, ‘Aladino no Gelo’, ‘Quebra-Nozes e o Reino do Gelo’: estes são alguns dos musicais em que tens participado nas últimas quadras natalícias. Como é fazer parte de espetáculos que têm ao longo dos últimos anos marcado o Natal de vários miúdos e graúdos?
Nós começámos a viver o Natal muito cedo. Quem faz este tipo de espetáculos vive 3 meses de Natal. Andámos a cantar e a dizer “Natal” desde setembro. Falando de públicos, é muito engraçado porque nós ensaiamos em sala uns com os outros e reagimos, mas nunca sabemos como o público vai reagir. Depois tens 900 crianças numa plateia em que dizes algo em que não estavas à espera de uma reação e elas reagem. Isso é mágico. No dia seguinte já reagem noutro sítio. A temporada tem cerca de 130 espetáculos, eu fiz uns 80, e são todos diferentes. Não há um público igual e isso motiva-nos a querer fazer mais. Se não fizer este espetáculo nesta altura do ano, não o consigo fazer em mais altura nenhuma do ano nem em mais sítio nenhum.
Sentes que tem de haver uma conjugação do espetáculo para os diferentes públicos?
Tem. Nós tentamos sempre que o espetáculo abranja também os adultos para não sentirem que foram lá levar o filho para assistir e ficarem 1h à espera que acabasse. Quando o público são só crianças encurtámos também o espetáculo um bocadinho para não fazer intervalo. Quanto ao texto, nós começámos com um no início da temporada e no final tinha mudado muito. Inconscientemente, quem está em palco começa a perceber onde o público reage mais. Por isso, com autorização da equipa artística vai-se pondo e tirando elementos. Chega ao fim e o texto mudou em alguns aspetos.
fotos: maria luís
Como surgiram estes espetáculos no gelo na tua carreira?
Como qualquer outro espetáculo, começaram a abrir castings. Já desde os primeiros espetáculos no gelo eu estava tentado a ir. Inclusive tinham-me incentivado a ir. Na altura estava a trabalhar fora da área das artes, numa coisa mais segura, então tive receio de arriscar. Há 3 anos teve de ser. Inscrevi-me, correu bem e cá estou no terceiro ano. Infelizmente, em Portugal há falta de oportunidades na área. Quando fazem um espetáculo já pegam nas pessoas. O facto de abrirem castings é ótimo.
"Nunca tive o bichinho de ser ator. Sempre quis fazer dobragens" - Emanuel Oliveira
Das personagens que interpresaste, qual foi a tua preferida?
Dos 3 espetáculos no gelo há uma que me marcou que foi o Sultão do Aladino. Eu estava-me a divertir 120% em todos os espetáculos. A equipa criativa deu-me alguma liberdade. Não existia guião em algumas das partes. Não era tão linear.
Entre o canto, a representação, as dobragens, existe algo que prefiras fazer?
Há sempre uma preferência, que no meu caso são as dobragens. Foi o que me impulsionou ir a palco. Nunca tive o bichinho de ser ator. Sempre quis fazer dobragens.
Tens contracenado com nomes conhecidos do público, como Ângelo Rodrigues, Cláudia Pascoal, André Leitão, Angie Costa, entre outros. Sentes que isso tem sido uma mais-valia para os espetáculos?
Sim. Em termos das escolas não, mas nota-se perfeitamente que quando eles fazem os espetáculos o público adere muito mais.
"Há pequenas empresas que trabalham aqui no Norte e fazem espetáculos excelentes, mas não têm tanta visibilidade" - Emanuel Oliveira
No geral, como tem sido a reação do publico ao longo dos anos? Tem existido um crescendo do interesse do público?
Tem aumentado, pelo menos na minha experiência de 3 anos. Temos tido quase sempre casa cheia, quase sempre os 900 lugares ocupados.
Sentes que isso pode ser uma mais-valia para o futuro das artes cénicas na região norte?
Aqui há uns tempos falava-se que o ponto alto do teatro musical era conseguir fazer o gelo. Na altura o pessoal que andava nas academias dizia que queria fazer gelo pois contracenavam com atores conhecidos, iam ser vistos por imensas pessoas, mas isso perdeu-se um bocadinho. Por um lado, ainda bem porque é sinal de que existem outras coisas, as pessoas começaram a ter outros interesses. Mas aqui no Norte o gelo continua a ser muito forte.
Vemos, por exemplo, que no Porto não existe a programação cultural que existe em Lisboa. Lá existem vários musicais. Sentes que o sucesso do gelo pode trazer as pessoas para o teatro e incentivar uma melhor programação no Norte?
Eu acredito que cativa as pessoas que querem fazer teatro. Infelizmente, não cativa as produtoras. É muita gente a querer participar, mas não há espaço para todos. Se a AM Live organizasse musicais ao longo de todo o ano seria incrível, mas não é sustentável. Há pequenas empresas que trabalham aqui no Norte e fazem espetáculos excelentes, mas não têm tanta visibilidade.
"Às vezes recebo contactos a perguntar se arranjo bilhetes. Eu digo que «estão à venda»" - Emanuel Oliveira
Fora do gelo, que outros espetáculos tens feito?
Em palco tenho feito muito para escolas. Já fiz algumas turnês pelo país, direcionadas mais para as crianças. Infelizmente, o teatro musical em Portugal está muito direcionado para os mais pequenos. Já fiz a ‘Capuchinho Vermelho’, o ‘Aladino’ sem ser no gelo, a ‘Alice no País das Maravilhas’. Felizmente tive muitas oportunidades e consegui aproveitá-las.
De que forma achas que se poderia trazer mais pessoas para o teatro?
Há muitas escolas que têm apostado em aulas de teatro musical. Não como academia, mas com pequenas aulas com crianças e adultos. Começa-se aí a semear o gosto pelo musical. Mas estes tipos de coisas envolvem sempre prioridades. Tudo o que é ligado às artes tem o seu custo. Custa muito a alguém comprar um bilhete para ir ver, porque é dinheiro. Não sei porquê, acham que é mal gasto. Muitas vezes, mais facilmente vão ao cinema, apesar de ser mais caro, do que vão ao teatro. Às vezes recebo contactos a perguntar se arranjo bilhetes. Eu digo que "estão à venda". É aquele “eu vou, se conhecer alguém e se for de graça”. Isso não alimenta a evolução do estado da arte.
Sobre o estado da arte, qual tem sido a sua evolução na região?
Tem melhorado muito. O engraçado é que os excelentes profissionais do Norte são todos recambiados para Lisboa, o que é péssimo no bom sentido. Tem havido um aumento de quantidade e qualidade de aderentes no teatro.
"Tem-se vindo a cair de tal forma que eu já não sei como levantar os guetinenses" - Emanuel Oliveira
Fazes parte de uma geração de guetinenses que curiosamente tem dado cartas ao nível da representação. Como é que explicas isso? Guetim tem queda para o teatro?
É engraçado porque na altura não havia internet, mas Guetim já foi muito forte em teatro. O Grupo Cultural tinha e o meu pai fez parte e ainda hoje fala disso. Acho que essa queda para o teatro sempre houve, o problema é que as pessoas foram-se acanhando. Temos imensos artistas em Guetim, estão é escondidos. Não me sinto especial, nem diferente dos outros. Simplesmente, tive a sorte de me permitirem fazer o que eu gosto. Acho que Guetim tem muita qualidade e é pena as pessoas se deixarem instalar no conforto e não fazerem mais, porque creio que ainda agora se podia fazer muito mais.
O que é que a nível cultural se poderia fazer mais em Guetim?
Para dizer a verdade, já desisti um bocadinho de querer fazer coisas. Queiramos ou não, a festa de Guetim é algo cultural. Tem a parte religiosa, mas também a musical. Até isso tem vindo a cair e é algo que não tem custos para as pessoas, é só aparecerem. Tem-se vindo a cair de tal forma que eu já não sei como levantar os guetinenses. Este ano já nem faço a festa porque tem sido uma queda enorme. Já tentei tanta coisa direcionada para jovens, para os mais velhos, mais religioso, menos religioso, e nem assim. É muito difícil tirar as pessoas de casa. O Salão Paroquial está muito mal aproveitado. É um espaço grande, dava para fazer imensa coisa, o que até já se fez. Não temos é vontade das pessoas para participarem e ainda criticam.

Quais serão os teus próximos projetos?
Vou ter apenas uns 15 dias de férias. No final de janeiro vou já ter ensaios para um espetáculo sobre Camões, que vai ser apresentado no Funchal, Algarve e Famalicão. Pelo menos até maio vou estar ocupado. Tirando isso tenho sempre dobragens, faço parte de um coro gospel, onde aparece sempre algum evento, estou num tributo aos ABBA e também já tem algumas datas marcadas. O que vai aparecendo, vou tentar fazer tudo ao mesmo tempo.
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